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terça-feira, 29 de maio de 2012

Reflita...

Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.




Clarice Lispector 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Contemplo o que não vejo



Contemplo o que não vejo. 
É tarde, é quase escuro. 
E quanto em mim desejo 
Está parado ante o muro. 

Por cima o céu é grande; 
Sinto árvores além; 
Embora o vento abrande, 
Há folhas em vaivém. 

Tudo é do outro lado, 
No que há e no que penso. 
Nem há ramo agitado 
Que o céu não seja imenso. 

Confunde-se o que existe 
Com o que durmo e sou. 
Não sinto, não sou triste. 
                                                                Mas triste é o que estou. 

                                                              Fernando Pessoa

Em busca de mim


 
Volto-me para o meu interior,
Buscando explicações para entender
Este sentimento ameaçador
Que deixa confuso o meu ser.
 
Imergir em minh'alma poesia,
Surpreender a verdade de mim.
Abrindo minha caixa carmesim,
Moldar por um momento a fantasia
E celebrar a almejada harmonia.
 
Mardilê Friedrich Fabre 


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sala de aula

Penso que a sala de aula é um deserto habitado por alguns professores que sabem sonhar. Mas, ainda sim, a sala é deserto. É um espaço feio, atrasado, longe do mundo moderno. 

Nas salas deste país tão injusto, morremos um pouco de calor, de incômodo, mas morremos menos quando um professor coloca na palavra o valor nobre que
 homens públicos, "responsáveis pela educação" não têm."
                     Aldo Nascimento  www.lingualingua.blogspot.com

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.


                                                                                                                                                              Rubem Alves

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Chuva





Chuva, caindo tão mansa, 
Na paisagem do momento, 
Trazes mais esta lembrança 
De profundo isolamento. 

Chuva, caindo em silêncio 
Na tarde, sem claridade... 
A meu sonhar d'hoje, vence-o 
Uma infinita saudade. 

Chuva, caindo tão mansa, 
Em branda serenidade. 
Hoje minh'alma descansa. 
— Que perfeita intimidade!... 

                                                    
Francisco Bugalho

Rosas


No luminar de um sol de Maio, há cravos, tulipas e rosas...Rosas que lembram delírio, de tristezas, volúpias e martírio.
Rosas que exibem suaves formas sobre lágrimas de duras penas...
Rosas, que por querer se disfarçam, se ofuscam e se embaçam e deixam de ser serenas.

  Rosas que em silêncio se agrupam formando um cenário de belas cores; As vezes brotam...as vezes morrem...Tornam-se adornos de belas flores.

É primavera; E o mundo fica mais iludido com o suave róseo vindo delas...A cada hora,de cada  maio se tornam ainda mais belas.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Travessia




Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares ...

É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...


Fernando Pessoa

A flor e a Náusea


Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
Ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.





C. Drummond de Andrade 


As sem-razões do amor


Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


                                                                                                                                   C. Drummond de Andrade